E se tudo o que conhecemos (o tempo, o espaço e até a própria consciência) fosse apenas uma linha de código em algum servidor cósmico? Essa é a provocação que há décadas alimenta tanto filósofos quanto cientistas e inspira obras como Matrix.

Agora, uma equipe da Universidade da Colúmbia Britânica (UBCO) afirma ter encontrado uma resposta definitiva: o universo não poderia ser uma simulação, porque sua estrutura é complexa demais para caber em qualquer sistema computacional.

A fronteira entre física e filosofia

A pesquisa, publicada no Journal of Holography Applications in Physics, foi conduzida por Mir Faizal, físico da UBC Okanagan, em parceria com Lawrence Krauss, Arshid Shabir e Francesco Marino. O grupo combinou fundamentos da física teórica com lógica matemática para investigar até onde a realidade pode ser descrita por algoritmos.

Eles partiram de uma hipótese radicalmente simples: se o universo fosse uma simulação, ele deveria seguir um conjunto de regras computacionais.

Mas, segundo os cálculos da equipe, a natureza opera em um nível de entendimento que transcende qualquer algoritmo. Isso significa que nenhum computador, nem mesmo um hipotético processador cósmico, poderia reproduzir integralmente a realidade física.

Reprodução/Unplash

O limite dos algoritmos

O argumento central do estudo se apoia em teoremas de incompletude formulados por Kurt Gödel em 1931.

O matemático demonstrou que, dentro de qualquer sistema lógico suficientemente poderoso, sempre existirão verdades que não podem ser provadas pelas regras desse próprio sistema. Em outras palavras, há fatos verdadeiros que escapam à lógica formal.

É o caso de sentenças como “Esta afirmação é verdadeira, mas não pode ser provada.” Nenhum algoritmo conseguiria decidir se isso é falso ou verdadeiro sem cair em contradição.

Para Faizal e seus colegas, essa limitação também se aplica à física: assim como a matemática não é completa, a natureza não pode ser completamente reduzida a cálculos.

Qualquer simulação é, por definição, algorítmica e depende de instruções programadas. Porém, se o nível mais fundamental da realidade se baseia em uma compreensão não algorítmica, então o universo não é, e jamais poderia ser, uma simulação

Mir Faizal, físico da UBC Okanagan

Do espaço-tempo à informação

O estudo também se alinha a ideias modernas de física que tratam o espaço e o tempo como fenômenos emergentes, derivados de algo mais profundo: a informação.

Teorias de gravidade quântica sugerem que o tecido do cosmos não é feito de partículas, mas de bits de informação organizados em uma espécie de “realidade platônica”.

Contudo, segundo os pesquisadores, essa camada informacional também possui propriedades que ultrapassam o domínio computacional. Por mais que pareça um sistema de dados, ela não pode ser descrita integralmente por regras lógicas. Assim, mesmo o “código fonte” do universo seria impossível de executar em um computador.

Obstáculo à teoria de tudo

Os resultados também têm implicações diretas na busca pela chamada “teoria de tudo”, a tentativa de unificar todas as leis físicas em um único modelo coerente.

Se a realidade envolve elementos não computáveis, nenhuma equação ou algoritmo poderia abranger o todo.

Lawrence Krauss, coautor do estudo, resume o impasse: “As leis fundamentais da física não estão contidas no espaço e no tempo, porque são elas que os originam.

Esperava-se que uma teoria completa pudesse descrever todos os fenômenos de forma computacional, mas mostramos que isso é impossível.

Uma compreensão realmente total da realidade exige algo além da computação: uma forma de entendimento não algorítmica.”

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Quando a física chega ao inefável

O trabalho da equipe não apenas desmonta a hipótese da simulação, mas redefine os limites do que é possível conhecer por meio da matemática e da física.

Se a realidade possui dimensões que nenhum algoritmo pode capturar, então compreender o universo talvez dependa de formas de cognição que transcendem o cálculo, algo que nem o mais avançado dos computadores cósmicos poderia reproduzir.

Ao fim, a pesquisa oferece um lembrete provocador: a realidade, ao que tudo indica, é mais estranha( e mais profunda) do que qualquer simulação que poderíamos conceber.

Fonte: Universidade da Colúmbia Britânica (UBCO)

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